Pussy que pula, o Homem Alanha e o Picatão Gancho

De certo, seria um tremendo desafio… Não pelo fato de nutrir qualquer esperança de que pudesse realizar a tarefa (sabia ser completamente desqualificada). O desafio recaía pura e simplesmente na tentativa angustiante de não frustrar as expectativas alheias. Não que ligasse muito comumente para expectativas alheias (era uma puta egoísta). Ou será que ligava? (era uma puta babaca)… Mas aquelas expectativas faziam-se especiais: o sobrinho, praticamente um filho que, por sorte da criança, não o era.

Ah, vai Pussy Jane, às vezes você se menospreza demais!! Qual a porra da dificuldade de se criar uma criança? A pior parte seria encontrar um espermatozoide decentemente habilitado; e teria que ser alguém bastante equilibrado para compensar sua genética esquizofrênica. E, em se considerando seu bom senso, você jamais seria capaz de discernir entre um espermatozoide habilitado e um girino. Mais fácil gerar um sapo do que um príncipe!

Mas que droga!! Só queria passar uma tarde tranquila com o sobrinho! Por que, diabos, tinha que se destruir tanto?!! Ok, certo que não tinha vocação para mãe… Mas nem era! Era só uma tia desequilibrada que podia, sim, atender às expectativas de seu sobrinho de três anos!! Por que não atenderia?

Ué, talvez ele já tenha tido contato com pessoas psicologicamente mais habilitadas, pedagogicamente trabalhadas em Piaget, Freud, Vygotsky. Que porra ela entendia de teoria educacional?!! Tinha aprendido tempo verbal conjugando palavrão!

E daí? Era ótima em conjugar verbos. Sua habilidade léxica talvez tenha vindo exatamente dessa raiz escatológica!

É… Talvez estejamos mesmo no fim dos tempos: Pussy tia-quase mãe: o que mais se poderia esperar? O que mais se poderá, se poderia, se f… se f..deria?

Pussy chegou, enfim, à casa do irmão e da cunhada para buscar a encomenda: 3 anos de Homem Aranha de 1,03 m que, com certeza, a julgar pelo tamanho do pé, aos 20 passaria dos 2,10 m e a levantaria com uma mão só, em um único golpe. Homem-Alanha: era assim que o sobrinho se autodesignava, do alto de seus três anos de livre arbítrio e algum conhecimento sobre heróis, dinossauros e HQ’s.

– Oi Pussy que Pula!! – e era assim que o sobrinho a designava com a autoridade de seus somente três anos de idade e aparente super poder de síntese: nunca ninguém a havia designado tão bem… Ela devia ser realmente irritante, alguma qualquer coisa que pula… E ele, um potencial futuro redator publicitário, escritor, criador de personagens. É, ele de fato havia saído à moda dela. Sentiu-se culpada por isso… Pobre Homem Aranha… Por um instante Pussy  pensou que talvez não devesse ter mais sobrinhos.

– Oi, lindo!! – Pussy chegou entusiasmada, tentando disfarçar a ansiedade, esconder o fato de que se sentia tão inábil para lidar com crianças, tão sem Piaget, Freud ou Paulo Freire, tão assim Pussy que Pula…

– Lindo, não!! Eu sou o Homem Alanha!

‍Pussy levou a primeira invertida do dia, de tia. E, para completar o golpe, tomou de susto uma espada que era, na verdade, um cabo de vassoura.

– Toma Tiguesa, toma sua espada. Vamos, Vamos logo!

Era assim que o Homem Alanha a designava: Tiguesa, a amiga do Homem Alanha que, na verdade, era um personagem do King Fu Panda… Talvez um dia se sentisse uma Tiguesa realmente, mas faltava muito. Sua autoimagem estava mais para girafa desengonçada, além de aquém da felinidade vociferante prerrogativa das tigresas… Vai ver o sobrinho, em sua perspicácia adquirida das leituras visuais de HQ e sua observação curiosa que só as crianças Homem Alanha têm, houvesse percebido nela uma vontade intrínseca, um dado ainda que pardo, da vontade de ser tigresa. E, em percebendo, tomou posse do exercício de sua  função como replicador do Ethos que o mundo teima em hipocritamente ensinar às crianças: querer é poder.

– Toma Tiguesa, sua espada!!

Ou será que o sobrinho associara a tigresa à bolsa de oncinha? Puta que pariu, hein, Pussy Jane? Bolsa de oncinha??!! Você ainda não jogou essa merda fora?!

É, o sobrinho tinha um ótimo senso de humor… Tiguesa…

Por um  instante Pussy  pensou que talvez  devesse, sim, ter mais sobrinhos. Ou, pelo menos, para não causar tanto estrago ao fim do mundo, talvez devesse marcar mais tardes daquelas com o seu um sobrinho (afinal ele já não tinha mais escolha… nascera sobrinho da tia). Parecia potencialmente mais divertido do que a última balada fracassada com o pistoleiro que a havia levado a um restaurante com forró ao vivo, cujo preço do quilo pareava com “mortandela” de segunda. Pelo menos ali, Pussy era a tigresa, empunhando espada ou cabo de vassoura; e sua bolsa de oncinha não era defeito, mas qualidade.

Ou será que o sobrinho tinha sido mesmo irônico? Será que o Homem Alanha seria capaz disso? Que merda estava acontecendo com os heróis??

– Ok Homem Alanha! Toca aqui! Fala tchau pra mamãe e pro papai. E pega a bola!

E rumaram elevador abaixo (que era, na verdade, o túnel do Dr Octopussy tavius), enquanto papai e mamãe preparavam-se para o trabalho, deixando-a com a incumbência de, para além da brincadeira, fazer com que o Homem Alanha tomasse banho (missão dificultosa) e comesse papinha de verdade, inclusive “betaba” e não apenas bigadeilo… Missão impossível era o nome do filme…

Desceram rumo ao parquinho do prédio da casa do Homem Alanha (que era, na verdade, o esconderijo do Boneco Feio que era, na verdade, o amigo mau do Gordinho de óculos que  era, na verdade, um parente distante do Venon).

Desceram:  a Tia Tiguesa que se sentia girafa, apesar da bolsa de oncinha, e o Homem Aranha, ambos ávidos por alguma brincadeira, cada qual com seus próprios e óbvios motivos: o Sr Nenê, cumprir sua rotina lúdica de colecionador de heróis e Pussy, desordená-las: a sua rotina e a da pobre criança.

E a tarde toda passou em alguns segundos: da casa à cabana, do jogo de futebol à tempestade em alto-mar, da areia movediça à floresta encantada…. Pussy e o sobrinho desenharam suas histórias tal qual aqueles que pintam um futuro sem nem ao menos ansiar por ele, aqueles que simplesmente pintam o futuro que descololiilai…

– Puquê descololilai?? É muito tiste… Eu num quelo que discololilai… Eu num quelo ficar velhinho”  – o sobrinho não se conformava com a “Aquarela de Toquinho”… “Vamos juntos numa linda passarela de uma aquarela que um dia enfim, descololirá…”.

– Puquê o pato pateta foi na panela? Puquê, coitado? Tudo descololilai…

Quem postulara que aquele tipo de música era coisa de criança? Os coitados mal aprendiam a limpar a bunda e já saiam cantando descololilai, sambalelê com a cabeça quebrada, pato na panela… Melhor conjugar palavrão! Foda-se o radical: o que importa, no fim das contas, é o tempo…

– Puquê, Pussy? Puquê o menino fica sem cor no futulo? Puquê fica velinho e descolilai?

Porra, pra  que aprender a limpar o rabo se tudo sempre acaba em merda? Só  mais uma habilidade que se desaprende. Até limpar a bunda um dia enfim descolilai… Fodam-se, o radical e o tempo!

Tia Pussy resolveu guardar o pensamento para si, afinal, o coitado do Homem Alanha já estava inconformado… Imagina se descobrisse que, talvez no futulo alguém, de fato, tivesse que limpar-lhe novamente as nádegas…  Que os céus a perdoassem se o sobrinho herdasse qualquer resquício genético de sua escatologia filosófica, ou sua  inabilidade de limpar o próprio rabo. É, ela era assim…

– Tiguesa, cuidado com a bompa!

Pussy não havia entendido bem se o sobrinho referia-se à pomba ou bomba e, no contexto, tudo poderia, afinal crianças que nascem ao som das catástrofes de ninar ou cantigas de roda, potencialmente não saberiam discernir p de b, em casos de guerra. Fosse paz ou fim do mundo, estavam no mesmo barco; ela e o Homem Alanha que, dali a pouco, seria Picatão Gancho.

‍Pussy sentiu-se bem na liberdade de poder confundir pomba com bomba, de esquecer que era tia e de ter ficado pra titia (com muito orgulho: antes tia do q mãe; antes tarde do que nunca; antes qualquer coisa que não lhe antecipasse o futulo descolilai….)

Como era bom, mais que viver, brincar!! Como havia se esquecido disso??? “I dont know why, no one have told you… how to unfold your heart “. Era, de repente, George Harrison no manejo do navio, com a frase que ela demorara tanto a entender, mas que numa tarde, um Homem Alanha explicara tão bem.

– Cuidado a pomba, Tiguesaaaa!!

Era mesmo a pomba que vinha voando de asas ou a bomba? Engraçado como o tempo pode fazer uma a outra e outra a uma. Queria que o sobrinho jamais deixasse de ser o Homem Aranha; se pudesse, estaria sempre ali, tigresa, para fazê-lo lembrar que pombas jamais devem ser bombas e tempos verbais conjugam-se sem descololilii.

– Tiguesa, a pomba come bichinho né?

Até aqui estava tudo bem: Pussy tinha sido uma tia exemplar, até conseguira ensinar alguns valores politicamente corretos e blábláblá… Até que, o espírito de porco, ou a voz do pai ou do avô falaram mais alto e ela respondeu:

– Pomba come bosta.

– Ãh?! – o Homem Alanha fez que desacreditou, soltando um “haha” meio que desmerecendo a sapiência  excêntrica da tia Pussy.

Ué, mas pombas comiam bosta sim! O avô tinha falado quando ela era pequena. Foi esse um dos motivos para ela desacreditar da paz. Mas, por outro lado, ela também não cria em bombas. O fato de saber que pombas comiam bosta não fazia dela uma pessoa pior!! Só não podia ser mãe, mas tia… tia podia.

– Comem bosta, sim!

E continuaram, Tiguesa e Homem Alanha, jogando a vida que passava a tarde em segundos, como se não houvesse de tia e sobrinho, mas como se personagens de si mesmos, aqueles que brincam a vida que cede, mais do que ao tempo, à ludicidade dos parques de diversões.

Era por volta de cinco da tarde, quando estavam, Malujo e Picatão gancho, navegando e uma terrível ventania começou a assolar o mar, fazendo-o em fúria.

– Picatão, vamos ter que subir, vai começar a tempestade! – era Pussy, o malujo, a sinalizar a hora de voltar para a casa, afinal, os pais do Homem Alanha logo chegariam e ele não havia nem tomado banho. Pussy era uma péssima tia…

– Não nanani nanotas. Não vai chover nada, malujo! A gente vai ficar aqui!

– Mas… Picatão!!???

‍De fato, tal a vida imita a arte ou a arte se limita à vida, a chuva estava para desabar e, por sorte, uma leve garoa começou, atestando que o marujo tinha razão e Pussy pôde reiterar sua argumentação:

-Olha só!! Vai cair o mundo!

– Não malujo, não vai! Vou ficar Aqui!!!

Como não houvesse mais argumento, Pussy e seu espírito de marujo porco ou porco em alto mar, como que não vendo outra alternativa ao afogamento, e olhando para o céu em busca de resposta, avistando umas duas ou três pombas da discórdia, soltou:

– Olha!! Bompas!

– Ãh?!!

E como não querendo que o sobrinho aprendesse cedo demais a natureza violenta das bombas, transformou-as em pombas novamente:

– As pombas que comem bosta!!!

E deu certo:

– Ah!! Socorro, malujo! Vamos, vamos!

O argumento das pombas que comiam bosta funcionara. Se a humanidade soubesse usar as pombas ao invés das bombas (mesmo aquelas que comem bosta), o mundo seria muito diferente!

E foram em direção ao elevador de serviço do prédio, Tiguesa e Homem Alanha, bola embaixo do braço e histórias pra contar.

Encontraram companhia no elevador.

– Oi!! Eu sou o Homem Alanha!!

– Pussy riu, tia orgulhosa, à família de estranhos que dividia com eles o elevador. Pareciam descontentes: pai, mãe e filhos. Ou talvez fosse só impressão, só o contraste entre aquela tarde ensolarada pelo Homem Alanha e o elevador de serviço que transportava as pessoas que já haviam perdido seus super poderes.

– Oi, Homem Aranha… Tudo bem?- quem puxou conversa foi o pai; a mãe parecia reclusa em pensamentos, menos tiguesa, mais decorativa, ao lado dos dois filhos que seguiam em silêncio, aparentemente mais velhos que o sobrinho. E mais descololilai também…

– Eu tô voltando pa minha casa puquê…

Pussy tiguesa, como que prevendo a tempestade, cololiu-se de roxo.

– Por quê, meu bem? – dessa vez foi a mãe de mau humor quem deu uma brecha para  a conversa do Picatão Homem Alanha.

– Puquê a pomba que come bosta vai pegar a gente e… e vai comer a minha cabeça, meu nariz, meu cabelo e vou ficar caleca.

Bomba!!

Puta que pariu! Era uma péssima tia! Exceto pela parte da carnificina! De onde o sobrinho tirara aquilo!!?? E ela tentando minimizar a violência das bombas, trocando-as por pombas; trocando os pés pelas mãos, e por qualquer possibilidade de ser mãe.

– O quê??!!!

A mulher espantou-se e, talvez apenas para cutucar (o clima ali não era mesmo dos melhores), o pai riu-se, endossando  a mesma tempestade das pombas de bosta.

Pussy queria ficar brava, muito brava, mas não aguentou; começou a gargalhar, roxa mesmo. Já estava velha demais para não perder a vergonha na cara.

E o Homem Aranha apontava para ela com veemência. Tia Pussy intimidou-se, mas no fundo, nem tão fundo assim, orgulhou-se dele! Era seu sobrinho mesmo!!

– Foi sim, você que falou, tia Pussy!! Você, Malujo!

Por sorte o elevador parou no nono andar, o destino da família: pai mãe e dois filhos, aparentemente divididos entre indignados e regozijados com a revelação cruel do menino Homem Aranha: as pombas comiam bosta… Talvez todos comêssemos, de um modo ou de outro. E é por isso as crianças deviam ter mais tias. Ou talvez não… Talvez só mais pombas devessem comer bosta nas tardes de marujo.

Mais alguns andares e chegaram em casa, Pussy tiguesa e o Picatão Gancho dedo-dulo.

A vida era, no fim, muito simples.

Fim!!