A Fada Madrinha

Será que algum dia dançaria com alguém? Um namorado? …

Não era possível! Pussy Jane continuava a pensar como a menina que queria ser a boneca Peggy Sue, mas vestia manequim 65…

Opa, opa!! Não usava mais 65!! Será que tinha obrigatoriamente que conviver com a autoestima destrutiva da infância?

Pussy Jane olhou-se no espelho… Espelho , espelho meu…

Então já nao era mais a mulher. Suas lembranças apontaram para a menina…

Estava sentada à beira da cama, chorando ao lado da vassoura que acabara de receber de um menino bonito (e babaca) no bailinho de final de ano da escolinha pré-primária. O quarto desarrumado, os lacinhos do sapato esbofeteados pelos restos do vestido balonê encardido de frustração. Pussy Jane, em um ímpeto voraz de afogar mágoas, agora, na solidão aguda de seu quarto, estava comendo uma banana… Uma dúzia…

“Pô Pussy Jane!!? Será que todas as suas lembranças têm que ser ancoradas em referências gastronômicas (e fálicas!!)???”

A menina que ainda nem entendia de Freud e falos, apesar da consciência predatória de uma Pussy Jane já mulher, completamente avessa às ingestas calóricas desnecessárias, continuou a comer a banana, já salgada, inundada de lágrimas pela inocência perdida com a piada da vassoura do bailinho… Ela era a única que não mereceia ser tirada para dançar… Uma palhaça… Ela que queria ser Peggy Sue… engolindo sapo e comendo banana como prêmio de consolação… O que Freud diria disso?

“Querida… Você realmente acredita que Pica-Pau é só um desenho inocente? Que as bolas vermelhas do saco do Papai Noel são só enfeites de Natal? Que o Lobo Mau só engoliu a vovozinha? Que o irmãos Grimm não afogavam o Ganso de Ouro? Que uma banana é só uma banana?”. Pussy Jane que nem entendia ainda de simbologias, teve que largar a banana.

Opa, opa? Será que era Freud falando? Não é que a voz era coerente?

A voz materializou-se na figura que empunhava uma varinha de condão aparentemente comprada na feira, e parecia recortada de um desfile de escola de samba da quinta divisão. Veio descendo de uma espécie de cano de bombeiro, bem parecido com aqueles que Pussy Jane tinha pedido no Natal anterior e que o Papai Noel, que nem existia (e ela sabia) nem se dera ao trabalho de procurar.

Não, não era Freud!!!Mas o que era aquilo? Uma fada? Praticamente uma drag queen à irmãos Grimm??

“Querida… Toda sua tristeza passará; e você também usará as botas cano longo e roupas estilo Peggy Sue. Pussy, como sua fada madrinha eu prometo!!! Meu bem, você pertence a um universo particular, jamais pensará ou agirá como as meninas que acreditam em coelhinhos da páscoa…”

É, de fato, Pussy só se interessava pela parte do chocolate…
“Meu bem, vc tem um dom: criticar o mundo e enxergar as coisas de um jeito diferente… Ligeiramente de ponta cabeça…”
(???)

“Pussy, querida. Eu sou você amanhã!”


O que o pai diria se soubesse que ela se tornaria aquilo?… Uma espécie de bombeiro drag queen, com botas até o joelho e borboletas na cabeça?? Papai a deserdaria!

“Querida, não se preocupe. Contos de fada não existem, Príncipe encantado nos dias de hoje, é metrossexual ou efeminado. Existem inúmeros finais felizes. Aliás, infinais são felizes também. Prometa que levará essa lição até o fim de seus dias, que a fará reverberar aos milhares de homens, mulheres e GLBTSC (??!!) que se iludem acreditando em contos de fada. Você pode fazer uma autobiografia, ou algo do tipo. Querida, você foi gerada na era de arte em tempos de fast food. Tudo que for food e food vende; e é ótima jogada de Marketing. Você ainda será um a grande escritora, meu bem! Vai por mim…” Escritora? Só queria usar sapato de lacinho cor de rosa, ser tirada para dançar como todas as meninas, acreditar em Papai noel e coelhinho da páscoa!!

Fada madrinha, uma ova!! Uma f…#$@## madrinha, isso sim!!! Jamais conseguiria assistir pica-pau ou ler os livrinhos de cabeceira sem acionar seu dom de espírito de porco. Droga de fada picareta! Pirateada!Jamais conseguiria olhar para bananas com a mesma inocência…

Tanto tempo passara e uma Pussy Jane já adulta teve que se curvar à sabedoria da fada…Tudo fazia muito mais sentido agora. Ela jamais acreditara ou acreditaria em contos de fada. É Pussy Jane Allsteam, cada donzela tem a fada madrinha que merece…