Do Namoro ao Pelourinho

“Olá, Pussy! Sou Jorge Lucas, gostaria de te conhecer um pouco +!
Q tau?”

Pussy Jane Allsteam sabia desde o início de sua vida de internauta que deveria evitar grupos e comunidades virtuais cujo tema central era vida afetiva. Mas não, tinha que bancar a idiota e colorir de esperança descabida a necessidade quase fisiológica de conhecer um príncipe encantado online… Então, a despeito de seu senso crítico apurado, quase sempre eficaz, agora ela participava de um grupo, no facebook, intitulado “Solteiros e mal pagos”.

A julgar pelo nome, uma comunidade de membros extremamente auto-confiantes e bem resolvidos. De fato, o lugar ideal para conhecer pessoas interessantes e interessadas.

Mas a vida era realmente irônica: menos de uma semana como participante praticamente inativa (por timidez ou vergonha de si própria), à espera do encontro ideal, e quem aparece para conhecê-la um “pouco melhor, q tau”? Jorge Lucas…

Ah, muito bom! Divertidíssimo! Como se já não bastasse ter que espremer os miolos para tirar algo não muito clichê para o dia dos namorados do Super Center, Pussy Jane teria que criar um slogan que valorizasse a PeLourinho sem envergonhar tanto seu portfólio (porque seu senso crítico, esse já era…).

PeLourinho??? Que trocadilho mais infeliz! Não poderiam ter inventado um nome pior? Quem seria o principal concorrente, o Peloponeso?? Tenha dó! E a droga do departamento de marketing não poderia ter achado um parceiro melhor para a promoção do dia dos namorados? Tanta chocolateria, agência de viagem, até marca de lingerie, que é clichê totalmente aceitável; ou pizzaria, parque aquático, sei lá… Que namorada vai querer ganhar uma sessão PeLourinho do namorado? Pussy Jane veria como um insulto. Sentiria-se tão sexy quanto um gorila!

“Será que sou muito peluda, tenho buço?”. Qualquer mulher pensaria isso. Só ficaria lisonjeada se tivesse uma péssima auto-estima, ou fosse uma peluda auto-crítica… Definitivamente a PeLourinho era um ponto final em qualquer relacionamento. Que tipo de namorado dá de presente uma sessão de depilação ou clareamento de pêlos? Por essas e outras que preferia ficar sozinha…

E outra, pessoas que têm pêlo também têm cérebro, né? Qualquer promoção viraria piada, e adivinha quem teria que escrever? 🙂 Pussy Jane Allsteam, em toda sua incorruptível filosofia das coisas que fazem sentido, das explicações lógicas, das teorias de gênero… Pussy Jane poetizando pêlos, bem no dia dos namorados. Ah, e solteira! Existiria algo mais frustrante? Devia haver alguma explicação metafísica, psiquiátrica, psicossomática para aquilo.

Talvez nem fossem os PeLourinhos que a incomodassem tanto (ela jamais tivera buço); e sim, o dia dos namorados e os pelourinhos erguidos em nome dos relacionamentos. Pussy Jane repudiava as regras e toda hipocrisia de que se acercava o romance e, por tabela, odiava o dia dos namorados. Porque talvez odiasse os namorados que nunca tivera, já que todos estavam ocupados com namoradas mais interessantes, menos reflexivas, mais submissas, menos críticas… menos… menos, solteiras…

Que droga!!! Pussy Jane estava fadada à solteirice convicta porque não conseguia ver graça nas promoções dos dias dos namorados, nem nos vestidos de noiva, nem na mesmice dos casamentos e dos filhos que viram netos, e viram parentes distantes, e das fraldas geriátricas , que seriam lá na frente o único elo de ligação entre ela e o marido… Chega!! Pussy Jane divorciaria-se das bodas de ferro-velho. Pelo menos teria a dignidade de não ser trocada por um par de peitos com mililitros a mais. Ela mesma trocaria os seus por novos, de 650 ml. E ela mesma trocaria suas próprias fraldas geriátricas! Não limparia a bunda nem de filho, nem de marido! Isso não era solteirice, isso era liberdade!

Vai à m@##$#$ Pussy Jane! Só esta te faltando um bigode mesmo! Não é bem assim! Relacionamentos não se resumem a pelourinhos e promoções de dia dos namorados… Isso é clichê. Em tudo há vantagens: os momentos de dividir, de felicidade, e até fraldas geriátricas, por quê não?

Pussy Jane odiava ouvir sua voz da consciência nesses momentos assim, bem propícios: no meio de uma reunião…

E quer saber por que não, Pussy Jane? Porque talvez você seja uma recalcada que fica deprimida em todos os dias dos namorados, e odeia tanto os clichês e os PeLourinhos, que acaba chorosa assistindo filmes ridículos do Telecine Touch sem roteiro ou lógica dramática alguns, mas que parecem tão emocionantes por seus finais felizes que encaixam perfeitamente em uma noite solitária de sábado. Porque você tem pavor de fraldas geriátricas e de admitir o fato de que um dia vai envelhecer e poderá acabar uma solteirona inveterada, morando com um milhão de gatos e participando de ações pela preservação do meio ambiente e pelas tartarugas albinas do Rio Negro.

E você tem medo de acabar gostando de fazer essas piadas publicitárias e de que elas passem a soar geniais para você, e de que seus valores de liberdade fiquem perdidos nas reuniões da equipe de criação do Super Center; e você acabe pobre, sem ter dinheiro algum para botox ou peeling, ou nem mesmo para usar um anti-rugas decente! Tenha medo de que seu silicone de 650 ml sobreviva a seu cérebro que poderia valer um milhão de dólares… E não precisaria ser solteiro. Quem se põe no pelourinho é você!

O que tinha sido aquilo? Um vômito do inconsciente?

– Tudo bem Pussy Jane? – o chefe pareceu preocupado. Ela deve ter feito uma cara péssima. Apenas acenou com a cabeça em resposta mentirosa de que estava tudo bem…

E tem mais, Pussy Jane: inventa logo qualquer m%#@$$ aí pra PeLourinho e pára de procurar pêlo em ovo na sua vida! Vai procurar sua turma, isso sim! Ninguém te obriga a casar, ter filhos e cuidar do alvejante do banheiro; ninguém te obriga a tirar os bigodes, nem pagar os pecados no PeLourinho. Ninguém está nem ai! Deixe de ser egocêntrica e de se achar tão original: iguais a você existem milhões de pessoas cansadas do ciclo convencional das coisas sem sentido. Se faz sentido pra você o pelourinho, vai lá; se não faz, joga a síndrome do vestido de noiva no lixo e veste o que fica mais confortável. Pode ser um pijama ou a roupa de gala… Chega de fazer tanto drama, Pussy Jane…

Pussy silenciou pensamentos… Olha que às vezes a consciência não era tão auto-sabotadora assim… Não estava mais tensa com o PeLourinho, o casamento e o dia dos namorados. Agora mais do que nunca, nenhum deles fazia sentido. Até sorriu, exceto pelo fato de ter descoberto que o carinha da diagramação, aquele que ela achava tão interessante, não pensava da mesma forma e acabara de presentear a namorada de longa data com um anel de noivado. É, um homem interessante a menos no mundo, e parecia ser fiel… Fazer o quê? Talvez ele acreditasse em PeLourinhos, casamentos e escravidão; talvez não… Enfim, não devia ser para ela.

– Tudo bem Pussy Jane? – o chefe pareceu solidário.

– Sim, sim… Foi só uma dor de cabeça. Acho que tive uma ideia.

E Pussy resolveu se livrar do drama e embarcar no jogo das coisas sem sentido. Talvez poucos enxergassem o quão ridículo era aquilo tudo: os pêlos no dia dos namorados, as fraldas geriátricas compartilhadas, os pelourinhos e as faltas de liberdade. Talvez apenas ela visse daquele ângulo, mas enfim, por que deveria estar errada? Decidiu mesmo divertir-se, inventar uma frase publicitária idiota que ninguém escolheria mesmo, só para descontrair.

“Discutir a relação é bom, mas em uma coisa vocês têm que concordar: Só você precisa te bigodes! Nesse dia dos namorados, compre no Super Center e ganhe dez sessões depilatórias e clareadoras em 3 regiões à escolha para sua amada. Só na Pelourinho Esthetic Center”.

Ou talvez um apelo mais institucional:

“Não seja escravo de uma relação cabeluda! Nesse dia dos namorados, compre no Super Center e ganhe 3 sessões depilatórias ou clareadoras na PeLourinho Esthetic Center”.

Mas inesperadamente (ou nem tanto) o chefe adorou a redação da campanha… =/

– Parabéns, Pussy Jane! Agora sim, vejo evolução. Meus parabéns!

Por que só a levavam a sério quando se esforçava para ser idiota? O que estava acontecendo com o mundo? Com a publicidade? Com as pessoas? Com os relacionamentos? Teve que se abster de sua própria opinião a cerca das próprias e duvidosas ideias… Tudo bem, elas lhe valeriam um salário mais robusto. Agora estava em dúvida sobre seu futuro: 650 ml de silicone ou um presente para o namorado?

– Com licença, chefe… Não estou passando muito bem, deve ser mesmo síndrome do pânico…