A Saia de Tênis

Jurou a si mesma que não faria aquilo novamente… Estava se tornando algo compulsivo, desnorteado, irrefreável. Nunca fora de paixões atordoantes! Agora que estava (aparentemente) mais madura, começara a desenvolver aquele tipo de comportamento? Algo devia estar errado. Será que era falta da terapia? Mas tinha começado o tratamento novo com o cirurgião plástico, as aplicações de polimetilmetaaaa alguma coisa… Os glúteos já haviam melhorado bastante e, consequentemente, a autoestima também. Será que estava desenvolvendo algum outro tipo de síndrome? Não era possível! Será que nunca seria uma pessoa normal: sem repentes, sem impulsos, sem paixões, sem altos e baixos? Será que sempre tinha que ser absurdamente… humana?


Droga! Não bastasse o cartão de crédito violentado por sua última compra desmedida, estava prestes a cometer o mesmo erro; só que agora com outro objeto de desejo… Estava apaixonada por uma saia de tenista.

P@$@###, Pussy Jane!!! O que você vai fazer com uma saia de tenista? A não ser que esteja interessada em se dedicar ao esporte e seguir carreira, a despeito de seu péssimo reflexo e sua incapacidade de lidar com bolas de qualquer tipo e tamanho, a ideia é completamente absurda! E outra: se quiser se dedicar à prática do esporte, o que, além de habilidade e talento natural, exigiria um tempo que você não tem; antes da saia de tenista você deveria comprar uma raquete…

Vai treinar tênis aonde? Nos 50 metros quadrados do seu apartamento? Ou no escritório do trabalho, enquanto tenta criar slogans estúpidos? Se jogar tênis fosse sua excentricidade de publicitária, tudo bem; então se torne uma publicitária digna de excentricidades e arranje um escritório próprio com vidros blindados… Tenha dó! Já não bastou gastar um terço do salário num corselet no mês passado? Agora vai inventar uma saia de tenista caríssima? Está querendo ir à falência ou é só crise de identidade? Pussy Jane, seu problema não é a falta de terapia, é desorientação vocacional! De corselet à saia de tenista em menos de um mês? Vai abrir uma loja de fantasia, é isso? Empreendedorismo? Ah, faça-me o favor…

Que droga!!! Porque nunca podia ter o que queria ou sempre queria o que não deveria ter? Não que quisesse ser tenista, mas a saia era linda… Parecia a saia da Barbie Olímpica, sua boneca preferida. Sempre quis a saia de tenista… A mãe dava o contra:

“Pussy, minha filha, você fica muito gordinha, a saia não valoriza seu tipo de corpo… Que tal um moletom? Ou um vestido balonê? Vai ficar uma graça!”.

Ok, é aceitável os pais tentarem evitar que os filhos passem ridículo, mas olha lá o resultado: décadas depois e a saia de tenista ainda estava engasgada, entalada entre o quadril largo da menina e o cérebro inconsequente da adulta. “Mas mãe, é igual a da Barbie Olímpica!!”

Na verdade, nem tão igual assim… A saia fazia Pussy parecer uma sardinha robusta em lata, de tão apertada. A mãe, infelizmente, tinha toda razão… O moletom ficaria melhor.
Mas o que uma mãe deve fazer numa hora dessas? Deixar a filha passar ridículo e ser vítima de bullying, comprando a saia; ou insistir para que a filha tome consciência do próprio corpo (o que pode ser péssimo), fazendo com que desenvolva um senso realista e talvez a propriedade intelectual para ir em busca de seu sonho de se transformar numa Barbie olímpica(?) = /

Ou ainda fazer com que a filha tome consciência de um corpo próprio, bonito em qualquer tamanho, independente do que o mundo ou a saia de tênis elejam como correto ou elegante? O que uma mãe deve fazer numa hora dessas?!!!

Ah Pussy Jane, tenha dó! Tanto tempo de terapia e quer colocar nos pais a culpa por querer comprar uma saia ridícula e estupidamente cara? Só falta querer mandar a conta pra sua mãe! Mais justo é mandar a conta pro analista, porque essa p@@# de terapia num adiantou nada!

A pergunta é: o que você fará agora depois de adulta? Vai se deixar passar ridículo comprando uma saia dessas, ou desenvolverá um senso autocrítico suficientemente racional para não gastar o dinheiro que você não tem com um artigo que nunca vai usar? Imagina comprar uma saia de tenista em época de Olimpíadas! Vai parecer uma vítima da publicidade, o que já sabemos que você é…

Que droga! Por que não podia usar uma saia de tenista? Não era qualquer saia! Era Nike, just do it! Tão autêntica, tão cara, tão olímpica… Todo mundo usa: a Sharapova, Kurnikova, a Venus Willians, o Roger Federer…

Olha Pussy Jane, “Todo mundo usa” é slogan de Havaianas! Faz o que você quiser! Se quiser comprar a p@#@# da saia e combinar com chinelo pra compensar seu trauma de infância e jogar a culpa na mãe; ou se quiser se rebaixar aos tentáculos do capitalismo olímpico que se apoia na publicização de figuras heroicas com slogans muito melhores do que o seu, tudo bem vá em frente, just do it! Impossible is nothing!

Faz de conta que estamos em Wimbledon, ninguém vai nem notar! Experimenta sair na rua vestida assim e você vai entender o que é bullying de verdade, e pior: depois de velha!

Tenha dó Pussy Jane! Tá certo que você não é do tipo bem sucedida, mas custava fazer uma forcinha pra se interessar por um tailleur, um scarpin sei lá? Até o corselet do mês passado soa melhor…

Só falta achar que o corselet combina com a saia de tênis, daí qualquer alterego pediria demissão, acho que até sua própria mãe!

Droga… Pior que combinavam mesmo: o corselet e a saia de tênis… Tudo bem que era uma produção inspirada no guarda-roupa da Barbie Cabaret, mas o conjunto era tão feminino, tão lúdico, tão…

Ridículo é a palavra, Pussy Jane: ridículo… Mas enfim, de acordo com seu melhor slogan: quem paga as contas é você…

Sabe, não seria de todo mal, nessas horas, ser subordinada ao cartão de crédito de um marido. Se o cara tivesse bom senso, jamais deixaria você comprar uma porcaria dessas! Por que você não se casa, Pussy Jane?
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Realmente, que cara de bom senso casaria com ela?

Sentiu-se péssima, uma tenista fora de forma ansiando por uma (ou duas) bolas que a fizessem sentir-se legitimada, competente, merecedora… Estava tão perto de ser uma mulher feliz: duas bolas e algumas prestações no cartão de crédito para se tornar a Barbie Olímpica…

Pussy Jane… Você, enquanto publicitária (ainda que mediana) consegue imaginar seu perfil de consumo nos arquivos do cartão de crédito? Artigos risíveis… Não se impressione se começar a receber promoções de palestras de auto-ajuda on line e convites para ser animadora de torcida ou buffet infantil…
= O

Ser classificada por si mesma como risível, enquanto Kurnikova, Venus Willians e Roger Federer exibiam-se com suas bolas e bem sucedidos traseiros pra lá e pra cá, fez com que Pussy Jane alavancasse uma coragem que nenhuma Barbie Olímpica teria. Um sentimento de propriedade e certeza de que marcaria um ponto.

Então Pussy Jane sacou com toda astúcia o cartão de crédito cansado, suado, quase desistente… Porque a vida é agora! E com o furor de campeã lançou-o, certeiro, em direção à saia de tênis. E… Match point! Arrebatou-a!

É isso aí, Pussy Jane!! Uhuu! Existem coisas que o dinheiro não compra, para todas as outras existe Mastercard!!

Agora Pussy Jane não tinha apenas uma saia de tênis: Pussy Jane Allsteam tinha bolas! (e uma boa dívida…)