A Candidata

Segunda-feira: reunião de emergência na sala do chefe, antes das 11:00… Pussy Jane muniu-se de caderneta, só como protocolo para não parecer tão absurdamente acostumada ao modo Supercenter de ser: sem planejamento, sem embasamento, sem necessidade de memorizar nada. Caderneta e caneta cumpririam bem com o papel de disfarçar a falta de profissionalismo que regia comumente as reuniões. Um gerente dormindo no canto da mesa, o outro jogando SongPop no facebook, algum mais olf fashioned desenhando quadrados em envelopes de correspondência, um outro mais talentoso fazendo caricaturas na agenda, a secretária lixando a unha, e o chefe… Ah, o chefe se lixando, proferindo suas bobagens memoráveis.
Pensando bem, a caderneta era bem-vinda às reuniões; Pussy anotaria as pérolas do chefe. Um dia poderiam se transformar em contos de ficção, em comédia nonsense, em piadas pra contar numa happy hour. Pelo menos Pussy se distrairia do fato dela mesma ser parte da piada. Mas era… e como era! Pussy Jane era uma funcionária Supercenter padrão!

– Bom dia, queridos! Hoje eu resolvi chamar a reunião logo cedo… Cedo? Já era quase meio dia!!
– …porque como vocês devem saber, eu ganhei um escritório de Marketing político…
O quê?? Queridos? Marketing político? Como assim? Que tratamento benevolente era aquele? O chefe era realmente cheio de surpresas…
Cada hora aparecia com um negócio diferente, uma ideia inovadora, um parceiro improvável, uma amante último tipo. Na sua cartela de negócios já havia empresa de produto de limpeza, produtora de cinema, loja de departamento, farmacêuticos, holísticos, e agora escritório de Marketing político… O cara só podia ser picareta! Ou laranja, chefe do tráfico, contrabandista de mulheres. Num dava pra imaginar quem era aquele cara fantasiado de chefe; a única coisa explícita era o fato de ele ser absolutamente nulo em QI…

– É, queridos! Não é ótimo!? Meu departamento de criação agora também vai trabalhar com Marketing político!! Mais uma habilidade pro portifolho de vocês…

Portifolho?? O currículo de Pussy Jane já estava cheio de cases que ela gostaria de deletar… Centenas de milhares de slogans idiotas e frases de efeito, com defeito, que ela era obrigada a criar, assinar, tentar arrumar… Agora, Marketing político!!?? Ela odiava política com todas as suas forças: Tiririca, João Mamão, Mulher abacate, Ovelha e Mamute… Que tipo de figuras ela teria que aprender a promover?? Justo ela que só votava nulo, que sabia que Marketing político era eufemismo pra falcatrua!! Aquilo era prostituição de valores!!! Só faltava essa no currículo de Pussy Jane… Prostituição eleitoral…

– Bom, e pra começar, vamos investir na concepção da imagem de um candidato. Vamos trabalhar do início; quero que vocês aprendam tudo: como se monta promessa, como se organiza um discurso, como se sobe no palanque, como se usa o vocabulário pra cada tipo de público, como se negocia uma entrevista com essa ou aquela emissora, quanto se paga por isso… Enfim, como se monta o guarda-roupa do candidato, que carro ele usa, a marca da bicicleta pra andar na ciclofaixa, os eventos beneficentes que ele apóia, quem ele suborna… Vamos começar do B-A-BA com vocês. Daqui a uns anos vamos ser a maior consultoria de Marketing político da América Latrina hahahhaa Esse é o meu desafio pra vocês, equipe Supercenter!
PQP!!!! =/

Era tudo que Pussy Jane queria: ser a maior especialista de Marketing político da América Latina… já se imaginou vestida de tailler, jantando com Paulo Trump, tocando violão com Suplicy, tendo um caso com Fernando Collor, sendo esfaqueada pelo Cabo Daciolo, dando aula de inglês pro Lula, até jogando golf com o Obama…
– E hoje, pra dar um start no nosso projeto político, quero que vocês conheçam nosso novo candidato! Na verdade, uma candidata… Estive pensando sobre essa questão machista que nubla nosso mundo atual. Assisti recentemente a um filme que me tocou, e não é qualquer coisa que vai me tocando, não… Tenho muita consciência da minha virilidade! Vocês já viram Mary Poppins? Pois é… Fiquei tocado pelo modo como aquela mulher, voando de guarda-chuva, conseguiu trazer mágica e alegria aquela família rica e carente de amor… E ela era só uma babá… Então comecei a pensar em como o mundo trata as mulheres de forma preconceituosa. E por quê? Só porque elas têm alguns genes cerebrais diminuídos, memória objetiva menos apurada, ganham menos e têm útero? Talvez o homem tenha ciúmes da capacidade reprodutiva da mulher, por isso descontamos afirmando para nós mesmos que “tudo bem, elas têm útero, mas em compensação eu ganho o maior salário! “. Enganam-se, homens: daqui a pouco elas também terão maior salário, mas o útero… ainda vai demorar décadas até que a ciência nos presenteie com um…

Aquilo não existia!! Que homem era aquele??

Seu chefe, Pussy Jane, com ou sem útero, seu chefe…

– É por isso que nós, do Supercenter, queremos dar representatividade política a essa mulher que, “tudo bem, não é tão dotada mentalmente quanto o homem” , mas que não merece estar fadada a ser sempre vista como objeto só por conta disso! Nós vamos começar a mudar essa história!!

Os homens aplaudiram de pé. Pussy Jane ficou em estado de choque… Ok, talvez tenha se sentido ligeiramente diminuída por não ter os 700 ml de silicone; ou talvez porque Pussy herself gostaria de estar com a saia curta (não tanto na altura do útero, afinal ela nem era tão feminista assim); ou talvez, e mais provável, Pussy tenha quase surtado pelo fato de que teria como tarefa construir e vender a imagem de Shaiana Chucrutis para o público votante…
Que tipo de slogan ela teria que criar praquilo?! Não pela moça, cada um com suas qualidades e defeitos, seu útero e seu gogó… Mas como ela iria vender a dançarina de bordel como candidata capaz de elevar a imagem do feminino?? Oh Deus…

– Shaiana tem um currículo maravilhoso, como vocês podem ver. Ela já foi Menina Fantástica, Miss Milharal 2010, leu Pequeno Príncipe, quer cursar Direito…

– Obrigada, obrigada… Sim, meu projeto é cursar direito qualquer faculdade pra esse ano; e se Deus for bom pra mim, com a ajuda da equipe, eu queria muito sentar em qualquer coisa que fosse dentro do Palácio do Planalto… Eu sempre quis conhecer o castelo da Cinderela na Disney…

Claro Shaiana! Isso vai ser fácil! Com essa equipe aqui, você vai sentar logo logo aonde quiser viu, querida? Agora pode ir cuidar de seus afazeres, dar tudo de si, que vamos trabalhar aqui recheando seu currículo, construindo sua imagem. Você vai ser um sucesso, querida! Depois passa na minha sala que vamos almoçar… E eu te ponho a par das nossas decisões.

Não, aquilo só podia ser piada!! Shaiana Chucrutis seria produzida e elaborada com a ajuda dela?? Justo ela, uma Pussy Jane cheia de princípios anti- submissão, anti mulher-objeto? Que vontade de chorar…

O chefe notou:

– Tudo bem com você, Pussy Jane? Vai ser uma experiência enriquecedora… Você devia aprender a ser um pouco mais assim, Shaiana, moldável… As mulheres moldáveis são muito mais interessantes… Talvez por isso você esteja solteira… Bom , vamos começar o trabalho.

Ah, aquilo só podia ser pessoal… O chefe a odiava, ou odiava!

– Continuando… Meu briefing pra vocês é o seguinte. Shaiana tem que ser a representação da mulher atual: inteligente, boa forma, alta performance sexual, mulher de negócios, bem-sucedida, rica. Quero que vocês criem isso. Inventem os amigos, o namorado diplomata, comprem um doutorado de Harvard (na Praça de Sé é o lugar mais barato e rápido de encontrar), façam um guarda-roupa novo, mas nada de tailler… Quero essa mulher aparecendo!

Era só o que faltava! E Pussy Jane, idiota, tendo que se imaginar de tailler jogando golf com o Obama. Sabe que mais? Iria jogar golf de biquini! Ia tocar violão com o Suplicy de corselet de couro!! Ia ser amante de toda dinastia Collor de Mello e ter um filho de algum ditador da moda.

Que injusto! Pussy nunca podia vestir as roupas que queria no escritório. Outro dia o chefe chamara sua atenção porque seu salto a deixava maior que ele. Não podia usar decote, não podia dar opinião, não podia parecer mais inteligente que o idiota do chefe, não podia escrever o que pensava, nem usar o português muito correto… Agora ela teria que ajudar a inventar “Shaiana, a mulher ideal”, a namoradinha do Brasil: inteligente , não submissa, que fala o que pensa e usa salto 35?! Pussy Jane era assim e não podia ser assim!! Shaiana nem sabia o que era e podia ser o que quisesse! Aquilo era machismo!!!! Só porque Shaiana tinha gogó e ela não!!??

– Tudo bem, Pussy Jane? Tudo bem com você?

O tom do chefe era irônico:

– Tudo, tudo… eu… eu só estou pensando nos discurso de posse de Shaiana Chucrutis…

– Ah, que bom! É disso que eu gosto, otimismo! Pode montar um slogan tipo : “Shaiana Chucrutis, a amiga da garotada!”.Queria algo associado ao público infantil, meio Mary Poppins… As crianças nunca são levadas em consideração como público eleitoral. Talvez porque ainda não votem, mas elas serão as eleitoras do amanhã! Eu, por exemplo, como Sucrilhos desde os 3 anos de idade! Quero que meu filho venha até mim e diga: “Papai, vote na Shaiana!!” . Ou minha filha: “Papai, quero a boneca da Shaiana Noite de gala” . Entende? Vamos criar uma grife! Um modelo de infância… Essas crianças são os eleitores do futuro. E quando Shaiana ficar velha e não vender mais, trocamos de Shaiana… E até lá ele vai ter uma filha ou algo do tipo… Shaiana Júnior…

Deus do céu!! De onde tinha vindo aquele homem?

– Ah, Pussy Jane! Se você trabalhar direitinho, em dois meses trocamos seu silicone. Quero a assessora de Shaiana vestindo sutiã 56… Vai ficar ótimo! Ah, outra coisa, sobre o discurso. Ela não sabe muito bem concatenar palavras, vamos apostar em uma Shaiana muda, ok? Providencie uma professora de… Como é mesmo o nome daquilo? Mímica?

– Libras, chefe?

– Ah, tenha dó Pussy Jane! Você vive no mundo da Lua? Tô falando de vocabulário pra gente muda, você vem falar em horóscopo? Shaiana tem que ser de Virgem, todos os grandes gênios da humanidade são virgens. Eu mesmo nasci sob essa influência…

– Não, chefe… Estou falando de libras, linguagens de sinais…

– Ah, sim sim… Eu imaginei que fosse isso. É que Português é uma língua misteriosa, ingrata; uma palavra às vezes significa a mesma coisa só que diferente né? Shaiana iria realmente se atrapalhar falando Português. Isso mesmo, Pussy Jane, arranja a professora aí! E você também vai ter que aprender porque tem que montar um discurso que fique atraente e sexy em mímica…

– Libras… Ok, chefe…- Pussy Jane já estava sem palavras.

– Bom, eu vou indo trocar uma ideia com a minha nova eleita. Bom trabalho pra quem fica!

E foi o chefe virar as costas que Pussy Jane aprendeu instantaneamente a lidar com os sinais. Levantou robusto, másculo, o dedo do meio; com uma sagacidade de quem havia sido impotente por décadas e consegue uma proeza erétil. Foi quando ele virou pra trás e ela, não conseguindo controlar a ereção do dedo médio continuou ali, mais desafiadora do que nunca.

– Algum problema?
– Não, chefe… É só o sinal sexy da campanha. Acho que fiquei meio empolgada… Bom almoço!

– Muito bem Pussy Jane Allsteam, vamos ter que discutir… em libras… lá na minha sala! Vamos ver qual dedo é o maior por aqui… – e saiu, em fúria.

Definitivamente, Pussy Jane: ou o mundo é muito machista ou é você quem ainda não aprendeu a usar o útero…