Quando Nietzsche Chorou – Parte I

Não era possível…Só faltava essa…
Pussy Jane estava há exatos 10 minutos tomando café (conclusivamente frio), tentando digerir o que não daria mesmo para engolir: uma Peekareta de 50 cm, na sua mesa, pornograficamente embalada em uma caixa de brinquedo que remetia a algum acessório da Barbie, histrionicamente nomeada em letras infanto-juvenis: “Peekareta, mais um toy da tia Shirlei”.

Sério, dessa vez o chefe tinha ido longe demais. Ok, ter um caso com a secretária que mal sabia assinar o próprio nome (nem por falta de letras, mas identidade mesmo – cada hora era uma mulher diferente, de acordo com a funkeira da vez, ou a atriz Hollywood da revista que ela nem sabia pronunciar direito: Harpers Bazaar era demais para a Shirley da Peekareta)… Ok, já que ela não possuía serventia alguma atrás da mesa-secretária, devia ter algum dom embaixo da mesa, atrás do armário, sei lá… Ok, ok, ok… Mas fazer da Shirley uma personalidade estampada em um linha de produtos, daí era de morrer!!! Toys da tia Shirley?? Aonde o chefe queria chegar? À bancarrota?
Pera lá vai, Pussy Jane! Você também está indo longe demais. Deixa a Shirley com a capa da Harpers Bazaar! Você está mais parecendo uma invejosa recalcada. Tá querendo o quê? Um brinquedinho com seu nome também? Peekareta!! =)
Se o esquema é esse, começa por baixo então… Debaixo da mesa! É isso que você busca,  apesar de todo seu discurso de princípios humanistas, feministas, blábláblá? É isso? Andar de quatro embaixo da mesa para estampar uma caixa de papelão cor-de- rosa?? Você já foi mais inventiva!
Tenha dó! Dane-se se o chefe criou uma linha de produtos infanto-erótico-juvenis com a assinatura da amante secretária que jamais seria digna do papel de secretaria, já que Excel e Candy Crush surtem-lhe o mesmo efeito… Vai cuidar da sua vida!
Ok, ok, nada de muito drama, cada um é para o que nasce (Excel ou Candy Crush), mas em alguns momentos não dava mesmo para entender a falta de amor ao dinheiro de homens como o chefe… Contratasse alguém que realmente trabalhasse e comesse a Shirley de sobremesa, embaixo da mesa, no intervalo do almoço. Não, ele tinha que montar uma sala pra fulana, com ramal, máquina de café, biscoitinhos e bombom… Não bastasse isso, agora colocava a tia Shirley como personagem de linha de produtos eróticos infanto-juvenis?? Aquilo era decadência absoluta!
E agora era ela, Pussy Jane redatora da empresa, quem levaria a pica e nem embaixo, encima da porra da mesa! Ela, redatora publicitária (única) do Super Center teria que ter uma ideia brilhante para vender o toy da tia Shirley como se fosse acessório da Barbie. Já não bastasse o tamanho da Peekareta, ela teria que enfiar o troço goela abaixo do público infanto-juvenil, abaixo de 15. Claro, porque Shirley tinha posto na cabeça que nem tinha, que seu target era abaixo de 15… Porra, ela nem devia saber o que era target… Como?? Como, Pussy Jane, você vai colocar essa merda no mercado adolescente??

E o café ali, esfriando, deteriorando os miolos quentes de Pussy Jane, seu problema de 50 cm e uns bocados, a Peekareta, e seu problema do tamanho de um grão de arroz, a cabeça da Shirley. Como se já não lhe bastasse o tamanho da fria, a indigestão do café e a crise existencial de quem não cabe embaixo da mesa mas gostaria de ser remunerada como tal, não é que adentra ao recinto a inocente Shirley, aparentemente muito animada com sua nova coleção de brinquedos? Ah, era a própria Barbie da barbárie, saltitante e de saia tão curta que a cada pulinho descortinava-se-lhe o útero:

– Pussy, Pussyzinha!!! O que você achou?? Não é uma graça??!! Se eu fosse adolescente ia querer uma dessa! Olha a cor!! Parece da Barbie!! – detalhe: a Peekareta em questão, sobre a mesa de Pussy, era cor-de-rosa…

– É Shirley, tenho certeza de que você ia pedir para sua mãe comprar uma (se é que ela já não tivesse) rsrs … – era inevitável pensar em que tipo de educação a Shirley devia ter tido. Filha de uma boa Peekareta…

– Você já pensou no slogo?  =0 Já pensou que frase vai na caixa? Ou na propaganda de revista? Ai, eu queria muito que fosse em propaganda de página de revista! Dá par ir na Herpes Bazar?

– Herpes Bazar pode ser que vá mesmo… Temático né? Dá pra pensar em um slogan informativo e conveniente, prestação de serviço: Nada de Herpers bazar: sexo seguro só com as Peekaretas coloridas da tia Shirley!

– Isso mesmo!!! Só não queria que falasse nada de sexo, essas coisas não são pra crianças né, Pussy Jane?  – puta que pariu… Será que Shirley não tinha mesmo noção alguma?? Será que ela lia mesmo alguma Herpes Bazaar??

– Pode deixar que eu vou pensar em algo, Shirley, é que ainda tô um pouco impactada com o tamanho da … do problema que isso vai me dar!
– Ai, eu num quero te apressar, mas o chefe pediu que o layout tivesse pronto até amanhã de tarde. A gente… quer dizer, ele, quer as Peekaretas nas lojas até semana que vem. Primeiro lote eu vou assinar pessoalmente no dia do lançamento do produto!!! Ah, vai ser na livraria COOL-T.
O quê?? A Shirley sabia falar Layout???

– Livraria COOL-T?? Tem certeza que não é CUT? Não que as Peekaretas devessem estar associadas ao sindicalismo, mas não vejo melhor público pra tamanha… tamanho. Acho que seus Peekareta’s são menos cult e mais democráticos… Ou… ou…

Pussy estava perdendo o senso de humor, já que o bom senso parecia ter sido aniquilado no instante em que julgou plausível dar vida publicitária às Peekaretas….

– Ou, sei lá! Isso tem que ser lançado, já que não vai ter jeito mesmo, em um sex shop, uma loja de produtos que não deveriam ser produtos!! Mas nunca, NUNCA em uma livraria, dividindo espaço com Nietzsche, Lacan, Foucault!! – ah, Pussy Jane, talvez a divisão de espaços tivesse um fundo filosófico compatível; o que se faria de Freud sem Peekaretas, hein?

– Ah, mas meu sonho é ser escritora… O chefe falou que vamos lançar um Manual de boas maneiras de usar as Peekaretas! E euzinha vou autografar um por cada vez no lançamento!! Aliás, você pode dar uma revisada no texto?? Vai pra gráfica amanhã também…

Nietzsche… E ela, a redatora publicitária que queria ser Nietzsche, revisando o Manual de boas maneiras de utilização das Peekaretas…Ou a vida era uma piada ou deus estava realmente morto…

– Claro, Shirley… Será que eu tenho escolha??? – como boa leitora de Nietzsche, Pussy Jane sabia que não tinha.

Calma lá também, vai… Ah, Pussy Jane!! Vítima, não! Niilismo muito mesmo! Claro que você tem escolha. Se fosse um pouco mais digna, ia enfiar as Peekaretas, com herpes bazzar e tudo, goela abaixo da Shirley Prêmio Nobel de literatura… Se tivesse escolha?!! Todo mundo tem escolha! Não é isso que se prega em filosofias humanistas? Não foi essa a herança do iluminismo e a crítica marxista ao capitalismo gutural? O que Adorno diria se visse você com a Peekareta em cima da mesa, condizente, cúmplice resignada, uma revisora de manual de boas condutas??? Manda esse emprego pro espaço! Tenha decência uma vez na puta da vida! Escolha você tem, não tem é colhão!

E como se Shirley não pudesse ser mais estupidamente irritante:

– Escolha!!?? Tem sim, Pussy!! Tem de diversas cores! Toma! Vê o que você acha e o que cada uma representa e faz umas frases bem bonitinhas pra embalagem e pro manual! Pensando bem, acho que nem vou te mandar o que eu escrevi; é melhor você fazer outro. Ai, vou falar pro chefe que você vai fechar tudo até amanhã tá? Ah, ele disse que paga hora extra para o tempo que você passar a mais no escritório… Ah, só que vou ter que fechar aqui daqui a uns 30 minutos, porque tenho um evento com possíveis patrocinadores do programa Picardias da tia Shirley. Então será que você pode fazer isso na sua casa? Ai, ai!! Sete e meia: atrasadinha!! Bijinho, bijinho, bijinho…

A porra da Shirley ainda teve o dom de parar em frente à mesa de Pussy Jane, agora infestada de Peekaretas coloridas, e fazer uma self #amomuitotudoisso#, daquelas que fazem o observador ter vontade de vomitar. Até as Peekaretas ficaram envergonhadas, brocharam suspirantes, lá mesmo, na mesa de Pussy Jane, por onde já haviam passado Nietzsche, Kafka, Adorno, Foucault…
Peekaretas que a mordessem! Não podia ser real… Shirley era uma ficção da mais absoluta antítese de tudo o que Pussy Jane jamais sonhou um dia ser; e era para ela, a secretária amante do chefe, que Pussy Jane agora tinha que desenvolver a campanha mais nonsense de toda sua existência…
Paciência, Pussy Jane… Às vezes o mundo é assim: injusto, deprimente, e ironicamente colorido. – foi a Peekareta bege quem falou, do alto de seu desapontamento absoluto, apesar de seus 50 cm… Sábia Peekareta: Pussy Jane sabia, como sabia….

E não teve jeito. Foi-se, Pussy Jane, às vésperas de oito da noite de uma quinta-feira, embora para casa com 7 caixas de Peekaretas embaixo do braço. Antes de sair do escritório do Super Center teve o cuidado de colocá-las em uma sacola da Kopenhagen para que ninguém suspeitasse da carga. E se fosse parada em uma blitz? E se fosse levada para a delegacia sob alegação de prática de atividades pornográficas? Tráfico de escravos sexuais? Podia até ser acusada de racismo: dentre as Peekaretas não havia nenhuma preta, amarela, asiática, todas coloridas esdruxulamente. Na certa seria presa por intencionalidade maníaca, pedofilia, desvio de personalidade. Que droga!! Justo ela que não via uma pica há meses, de tanto trabalho, agora era a rainha das peekas; dava pra contar pelo menos, uma para cada dedo da mão. Três para cada buraco….Ai, Deus que olhasse por ela!!

‍- Amém… – dessa vez foi a pica verde quem falou, e depois faliu…

Como estavam desanimadas… Deviam sentir pelo ridículo que passariam, embaladas em caixinhas de boneca, com laço de fita e direito à sessão de autógrafo da autora intelectual… Intelectual??? … Por que você não se demite Pussy Jane??

– É! Por que você não se demite?? – a Peekareta azul foi incisiva…

– Ué… Porque, porque… porque sei lá!! Porque eu tenho que pagar mais um ano de prestação de carro, mais meus óculos importados, minha coleção de corseletes…
– Por que você não acha uma pica à altura que pague isso pra você??

– O quê?? Tenho que dar ouvido agora a uma Peekareta machista??!!! De jeito nenhum!! Eu prefiro a pica de ter que escrever um anuncio ridículo pra picas inverossímeis como vocês, a ter que viver a pica de ter uma pica no comando.

– Ué, mas e a pica do seu chefe, não conta? E ela quem está no comando… Ou não? – foi a pica mais ranzinza que falou, roxo fúnebre…
– Ué, mas eu sou paga pra aguentar a pica do meu chefe!

– E, meu bem… Qual a diferença?? Você está sendo submissa de qualquer jeito!

Silêncio absoluto. É mole? Ter que ouvir dura de uma Peekareta qualquer, colorida e cheia de frufru… Pussy Jane teve ímpetos de atirar as Peekaretas, uma a uma, pela janela do carro, no meio da avenida 23 de Maio, para sofrerem atropelamento-morte súbita. Sentiu-se uma assassina legitimada, uma justiceira estranguladora de picas! Em tempo, o sexto sentido aguçado das Peekaretas, fizeram-nas calar-se, longa e funebremente… Algumas pegaram no sono, outras fingiram morte por antecipação.

E assim seguiram por rancorosos quinze minutos, Pussy e as Peekaretas (um total de sete: amarelo limão, bege, cor-de-rosa, roxo, azul celeste, vermelha) rumo à casa aonde teriam pela frente uma longa noite de criatividade, slogan, layouts, e quem sabe, algum assassinato…


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