Olha, olha bem… Vê, ao fundo, o céu preto e branco? É cinza…
Vê, bem ali, a nuvem? Horas mais tarde tornava chuva, de todo verão desmoronado. O menino correndo, à esquerda, primo distante, apavorou-se do aguaceiro. Já o menino direito, nem recordo; apareceu de repente, em pose oportunista.
No centro, a moça de maiô preto e branco, essa sou eu… A outra, segurando-me a mão, minha irmã, vestido branco-preto. Sua outra mão, em posse do par de sandálias que lheera único. Preferiu poupá-lo da areia, com medo que corresse-se no vento, fugindo seus pés. Agarrava as sandálias de mesma força que apertava-me a mão e que Sorrento assoprava-se, revolta, em dia festivo. Ano Novo?
Vê a preocupação estampada de minha irmã, arriscando a ventania no chapéu? Não me lembro quanto tempo a cabeça lutou, nem sei se o chapéu resistiu. Que preto e branco é cinza.
Vê como sorrio? Cai-me bem esse corte de cabelo, acima dos ombros, crescendo-me da menina, enfeitada à fivela. Vê esse mar preto e branco? Cinza. E as moças coloridas de água salgada, minha irmã e eu, brincávamos, sereias, fazendo castelos… Ainda que agarrássemos o tempo, mãos dadas, talvez à intuição que o dizia finito. Sob um horizonte infinito que nos respirava, o mar mentia-se de azul… Sentíamos, no vento…
Vê como é imenso, o mar? E preto e branco… Vê o vestido? Eu mesma costurei; que minha irmã nunca foi dada aos pontos. Paixão, mesmo, eram-lhe os livros bordados de poeta. Romântica, sufocava-se em palavras-devaneios de destino aventurado, amores impossíveis, rancores teatrais… Sempre achei que não faziam bem: mais seguro alinhar-se em penteado de fivela ou costurar-se em nova saia, que não há efeito colateral em alinhave. Vez ou outra, só uma picada de agulha distração.
Esse modelo que veste minha irmã? Enquanto sonhava príncipes emprestados, costurei-o sozinha, uma dessas tardes suas, passadas à página-fantasia. De preto e branco é cinza.
Bonita minha irmã, não? O chapéu, sempre achei escandaloso mas, regalo di mamma, fazia questão de tê-lo grudado-pensamentos. Admirou-me que naquela tarde de mar azul, que seria cinza, ela o tivesse arriscado para poupar as sandálias… Talvez não quisesse soltar-me a mão; tão imensos os castelos que erguíamos e, sabíamos, areia e cinzas.Dessas inocências que se alinhavavam à esperança de, novamente, a mamma. E machucavam, mais que agulha distração…
Vê esse céu preto e branco? Bons mortos lançam-se aos seus?
Vê esse céu? Cinza fotográfico é só papel? Como se pode cinza algo que, um dia, cor?Vê esse meu céu? Minha irmã, que um dia nem mais minha, mas do tempo que ousava sandálias corredias, usava-o sobre a cabeça, mesmo espalhafatoso, tal chapéu desengonçado. O céu, mamma, a irmã, costurados da mesma memória que guardo, instantânea, de um distante tão perto, que ficção. Papel que moça de chapéu rimava em romance de poeta. E eu que só queria costurar, jamais imaginaria cerzindo-me em memórias de cinzas que remavam-me o mar azul de então.
Vê esse mar? Nunca quis escrevê-lo, mas é poema. Porque triste que não exista. Não resistiu: nem aos versos de minha irmã, nem aos avessos de minhas costuras. Linha, agulha, alinhave e pronto: novo vestido. Porque não se costura o tempo? Por que, mamma?
Vê essa composição: céu, nuvem e mar? Consigo ao menos colorí-los?
Vê a moça de chapéu! Vê, de novo! Será que posso suturar-lhe as partes cinzas, saturar-lhe as sandálias de azul Sorrento, ridenti, de mar. Aquele mar… Revivê-la em sonhos voadores de chapéu mamma, no vestido que eu mesma fiz. Os pontos devem ser os mesmos: areia e cardeais de infinito.
Vê as mãos dadas? Devia tê-las costurado… Um ponto só faria efeito, um único ponto! Eo defeito colateral do tempo finito se desfaria, cinza em água e areia do mar. Meu nosso mar, Sorrento…
Mas como podem-se tão preto e branco almas em cor?Vê esse papel? É fotográfico…
O céu não é preto-branco, nem em cinzas. O mar ainda existe, em cores, em cada um daquela minha tarde costurada, ponto a ponto, na alma.
Vê esse céu? Flash… Palpita bem aqui. Vê como sorrio… E não à causa do cabelo de fivela; mas por tê-los todos: o menino à direita que corre primo distante, o outro fazendo pose, as águas tempestades de chapéus, sol e sal… Retê-los, todos, costurados poesia, em cor, cuore…
E eu que jamais poeta, aprendendo a rimar o mar contra o tempo corrente…
Minha irmã, sempre minha, vestido e chapéu, orgulharia-se. Não é, mamma?