Sorri um estranho. E estranhou-me. Estranhei.
Por que, afinal, estranhou-me? Será que não convenci? Será que os olhos exprimiam algo em contrário? Mas como, se justo os olhos se faziam complacentes, contentes instantâneos por simplesmente ter alguém ali na frente. Alguém para enxergar-me e sorrir rebatedor. Alguém capaz de comunicação espontânea. Pensei que o estranho fosse esse algum; só que estranhou-me… Desconheceu-me os sinais.
Será que sou eu, o estranho, por tentar contato com estranhos? O que me move: humanidade ou anomalia caráter?
Estranhei o estranhamento do estranho, em relação a minha atitude (que lhe deve ter soado esquisita), de sorrir a estranhos na rua. Desfiz do sorriso. Decidi sufocá-lo no bolso ou arremessá-lo de lixo mais próximo. Na falta de lixo, o chão matou-o de igual serviço… Não há como guardar sorrisos. Eles perecem em instantes se não conseguem oportunidades para crescer, se não alcançam rebatedor que os devolva . Sorriso não foi feito para ser só .
Lancei-o ao chão. Se tivesse sorte, alguém perceberia um resto de alegria empoeirada, confusa de asfalto e solas de sapato. Se o sorriso tivesse sorte, alguém perspicaz recolheria-lhe a essência… Acho que algo além, seria pedir demais.Ressuscitar sorriso é coisa de poucos, raros… E também, quem se prontifica a caçar sorrisos abandonados no chão ? Coisa de insano …
Caminhei mais alguns quilômetros. Ninguém sorriu-me; nenhum estranho. Também não tive ímpetos de sorrir ninguém; ainda traumatizado pelo sorriso arremessado; ainda remoendo-o. Alguns quilômetros de olhos baixos, desacreditados; até que, de repente, cutucaram-me o ombro. Virei, e estranhei: um estranho sorria-me, sem precedentes. Tive até medo… larguei o que se atinha de minhas mãos: pasta, picolé, papel ou carteira. Nem lembro, tamanho o estarrecimento.
Sai correndo, voltando atrás, os quilômetros já percorridos. Queria achar o sorriso meu, que eu mesmo lançara ao chão. Será que o estranho o havia encontrado e roubado para si? Será que era meu o sorriso em boca estranha? Ou será que o fulano simplesmente achara e viera devolver? Tive medo de não mais recuperar o sorriso perdido.Quando voltei-me para o estranho, ele já havia desaparecido…
E se aquele sorriso que me oferecia, fosse o meu; aquele que, sem pensar, eu arremessara lixo, pelo chão? Medo de não mais recuperá-lo; um sorriso tão espontâneo, tão sinceridade a olhos vistos… Andei-desandei os mesmos quilômetros percorridos. Nada de meu sorriso pelo chão. E passei a procurá-lo nos rostos estranhos; alguém devia tê-lo roubado. Mas não havia indício. Será que escondiam?Talvez o tivessem engolido… Doía estômagos imaginar-me o sorriso mastigado de processos digestivos outros; sofriam boca e dentes .
Em desespero, comecei a perguntar, coisa de insano: “Alguém viu um sorriso no chão? Não tem nome ou endereço; responde de anonimatos. É meu… Eu o assassinei. É meu!”. Estranhamento geral… “Algum estranho roubou-me o sorriso…”. Desesperou-me não sabê-lo vivo ou morto; é ciúme admitir que, talvez, algum estranho o tivesse resgatado e dado-lhe vida novamente. Ressuscitar sorriso era dom que eu devia, ao invés de assassiná-lo.
Um estranho qualquer, mais importante do que eu , para meu próprio sorriso …
Jamais o encontrei. E minha causa passou a ser o medo de sorrir a estranhos; medo de olhá-los olhos e , quem sabe, reencontrar meu sorriso, minha tal alegria roubada, em outra boca. Reencontrá-lo grato, ao tal estranho que o resgatou. Meu medo: meu próprio sorriso sorrir-me estranho, desconhecido. Juro que não suportaria.