Fui uma gordinha feliz, por opção, até os 13 anos, quando decidi que estava na hora de mostrar ao mundo e esfregar na cara da Barbie que eu podia, sim, usar calça jeans! Quem ela pensava que era?!
Lembro da fatídica noite: alguém deve ter me chamado de gorda, assinado seu bullying costumeiro na minha testa. Cheguei em casa domingo à noite (sempre odiei os programas da Rede Globo…Fantástico… urghhh), abri a geladeira para esfriar a cabeça e dei de cara com os enroladinhos de goiabada da vovó Lú… Os enroladinhos mais perfeitos e desafiadores da minha vida.
Barbie-enroladinho; Barbie-enroladinho; Barbie-enroladinho…
Escolhi:Barbie!
O tempo parou, rufaram tambores e estômago; e eu, bravamente, fechei a porta da geladeira como quem sela um pacto! Travei dentes e fui dormir tendo pesadelos com aquele doce de goiaba. Foi a minha primeira vitória.
A partir daí, comecei uma dieta empírica, baseada mais ou menos nas outras dietas que já havia feito (as dietas sérias, não as dementes como aquela do presunto e ovo, a líquida, a da melancia, da água e da sopa de salsão).
Acabei com a maioria do carboidrato complexo, pães e massas (o que, depois, descobri ter sido uma bobagem) e com açúcares, frituras. Ficaram os queijos, cereal, frutas, legumes e saladas.
A Barbie nazi-fascista estava disciplinando a gordinha descarada. Nessa hora entraram em cena os exercícios físicos para aumentar o gasto calórico. Nunca fui uma criança sedentária: fazia jazz, natação, handball, mas absolutamente descompromissada do objetivo de emagrecimento, sem a consciência alimentar que então, estava começando a desenvolver, ainda que dentro de muitos equívocos desnecessários.Uma pena que à época a nutrição especializada ainda era pouco difundida.
Comecei a treinar em casa, sozinha, por 1 hora, com ênfase em treino aeróbico, espelhando-me na Mamma. E o resultado, de fato, veio. Foram 2 anos, em média, e 35 quilos a menos na balança.
A dieta? Continuou a mesma, restritiva em alguns muitos itens, mas equilibrada. Não consegui retornar aos doces, frituras e aos industrializados, em geral. Foi um período interessante porque comecei a cozinhar para mim e a ter uma noção muito ampla da utilização dos alimentos in natura.
No entanto, sem orientação, e com um certo pavor de voltar aos 83Kg, sem entendera lógica matemática das dietas (e dieta é só isso – matemática), aos 16 anos, acabei chegando aos 48 quilos, completamente desproporcionais em relação aos1,75 m de altura.
Na verdade, a perda de peso foi fruto de um breve período turbulento: tinha que escolher oque queria ser quando crescesse. Sempre tive inclinação para todas as áreas, mas queria ser artista e, ao mesmo tempo, estudar números, ossos, química… Queria ser atriz e cientista…
Como uma adolescente em busca de rumo e também de auto-aprovação em função da minha baixa autoestima causada pelo estigma de ter sido gorda, fui contaminada, presa fácil, pela febre da moda nos anos 90: decidi entre atriz e cientista, tornaria-me modelo…
Na verdade, uma menina que estava querendo provar ao mundo que podia, sim, ser oficialmente bonita. Absurdo… e tinha consciência disso à época, mas a vingança soou mais alto e aos 16 anos e 48 quilos, estava magra e horrível. Sentia saudades da gordinha feliz. Ah, a minha scachiatta di cipola…
Os poucos meses vivendo a rotina fútil de frustrações dos bastidores de algumas agências de modelo que inspecionam centímetros de quadril, largura do nariz e distância entre os dedos do pé, como quem qualifica rebanho, praticamente catapultaram-me à faculdade.
O que levei na bagagem dessa época? Um profundo senso de inadequação, compatível ou pior que aquele da gordinha de infância, e uma péssima sensação de que aos 20 anos já seria velha, no sentido mais pejorativo da palavra.
Sempre me senti muito responsável e, por isso, mais velha do que a maioria: meus interesses estavam para muito além das festinhas e bate-papos adolescentes; mas velha fisicamente, como me senti aos 16 anos, jamais havia me sentido. E nem aos 40, hoje, sinto.
Meu regresso da bad trip (na verdade adoro crises, são transformadoras) veio com a retomada do exercício físico que, pela falta de alimentação e pela neurose dos padrões de agência de modelo, à época (nada de músculos, nada de acima de 89cm de quadril) tive que interromper por cerca de 8 meses.
Não era mais a Fernanda, mas uma intrusa no próprio corpo, com um quadril que cabia num gargalo de garrafa de cerveja que eu nem bebia, olheiras profundas e uma desistência absoluta. Não aguentei. Desisti definitivamente dessa bobagem de adequação a um corpo que naturalmente não era meu, não condizia com as minhas necessidades de subsistência e nem com os meus padrões de beleza (a Barbie estava ficando gorda perto de mim!!). Comecei um regime de engorda saudável, com treinamento e musculação.
Assim conheci a musculação, com o objetivo de criar um corpo com o qual me identificasse e me fizesse sentir confortável.
Um ano depois estava com o peso estabilizado, aquele que julgo ser meu peso ideal para treino: entre 56 e 58Kg. E dos 19 aos 35 anos, o treinamento de força (variando de 5 a 7 vezes por semana) em níveis de intensidade diversos, fez parte da minha rotina e estilo de vida.
No entanto, tendo uma identidade que se faz da dança, expressão corporal e do teatro, o padrão de movimento da musculação, técnico, repetitivo, pouco expansivo, a certo ponto, desestimulou-me. À medida que expandia minha lida com criação de texto, interpretação e performance, precisei assumir um corpo que me fosse o texto, um corpo expressamente expressivo.
Foi nessa encruzilhada, aos 28 anos, que conheci o Pole, assistindo a uma apresentação de um campeonato, via internet. A coreografia misturava elementos artísticos, ballet clássico e uma destreza física impressionante. Era disso que precisava! Esparta e Atenas.
Então, entre flertes e tentativas, aos 35 anos (quase uma velha aos olhos do mundo) comecei a dedicar-me, de fato, à modalidade. Entre os 28 e os 35, frequentei algumas aulas regulares mas, aos poucos, minha parte esportiva sistemática, começou a falar mais alto e precisei entender mais do assunto.
Fiz cursos de formação no Brasil e nos EUA (Pole Fitness Alliance), participei e participo de campeonatos. Ainda assim , precisava de base científica para entender e desenvolver meu próprio treinamento voltado à modalidade.
O Pole levou-me também à uma pós graduação em Biomecânica do treinamento e à graduação em Educação Física. Ao certificado profissional de Personal Trainer a uma especialização como Fitness and Sports Nutrition pelo American Council on Exercise.
O conhecimento científico tem sido incentivo constante ao próprio treinamento e ao uso do esporte e da dança como elementos discursivos, uma experiênciaCorpo-Texto.
É a atriz cientista ou a cientista atriz…
Projetos futuros em andamento: testes de metodologia empírica de treinamento no pole, a partir de parâmetros fisiológicos, a coreografia para o próximo campeonato, um texto ficcional qualquer sobre uma Barbie feminista… Esparta, Atenas, aspartame e espartilho… Acho que isso aí sou eu.
Nesse final de debruçamento biográfico, mais que terapia, um redemoinho nas bagagens, valem parênteses ontológicos: sim, ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais. Descubro-me, de fato, uma mistura de ambos: do técnico de basquete que rabisca jogadas e da jogadora de vôlei que pinta painéis…
Sem dúvida, a minha história mais autêntica, que jamais escrevi.