Se esse fosse o último tom, o último dom;
A última nota antes do fim…
Se nesse dia houvesse o prenúncio de uma última noite,
Com ares e estrelas e todas as vozes dizendo adeus.
Se hoje não fosse mais hoje
Mas algo de se lembrar, ponto final de frase
Em que ficam mais vivas as imagens descritas,
Mais vivas porque se foram, deixando a saudade
Se hoje desse, a passos contados, a curva faltante da trajetória,
Aquela que encaminha linha de chegada
Se hoje soubesse que não mais veria, exceto marcas -memórias,
Cada gente, poeira ou bicho,
Cada cor que se pinta aos olhosSe esse hoje viesse como nunca,
Satisfazer-me o desejo de não ressentimentos
Viesse contente apagar-me o desespero,
Viesse irrestrito, curando qualquer dor
Se esse hoje eu soubesse o último hoje,
Em toda vontade que até então não se fez
Se esse hoje eu soubesse o último hoje….
Jamais seria o mesmo…
Porque então se concretizaria toda desconstrução daquele eu-ontem,
Que persegue e espreita, lamentando erros e ganâncias,
Bem aqui, um passo atrás.
Implodiriam-se as tolas verdades,
As vidas iguais, os quereres compulsivos por não-ter;
Que só se quer para não se ter,
Para se ocupar de tal amanhã promissório,
De um tal amanhã que nunca será esse hoje declarado
Implodiriam-me miolos e falsas vísceras,
Programadas para serem humanas
E tão completamente irregulares em sentido:
O corpo caminhando sentido contrário,
Querendo-se futuro, em pés de marcha ré
Réu
Querendo-se futuro, por exclusivamente pretérito
Preterido
Querendo-se futuro,
Pelo medo desse hoje que liberta
Presente
E se essa rua,
Se essa rua onde caminho hoje…
Ah… saberia andá-la como quem teima a última chance de salvar algo,
Até mais importante que si
Se essa rua fosse minha, hoje
Não construiria nada,
Andaria nu, colorido, de peito e riso derradeiros,
Agradecido por ser dono de uma última imagem
Última e própria
Um presente de ser livre,
Presentes
Que só presentes somos livre
De resto se é corrente, recorrente
Cadeado e sombra
Assombração
Se só esse hoje é garantia,
Porque todo hoje é o último
E é no limite que se voam asas não mecânicas
Asas mais que pássaros,
Porque asas que se conquistaram, não foram dadas
Não ao acaso
Asas da vida presenteada,
Da vida agora,
Vide o agora
Na surpresa de ser
Se esse fosse o hoje decisivo,
Faria todo o meu melhor:
Largaria dúvidas, espancaria solidões
Faria minhas, as iniciativas
Correria campos e calçadas
Sorriria aos prantos,
Semearia árvores à eternidade
Julgaria todos como inocentes,
Aptos e dignos de qualquer querer
Não aquele de se querer em intuitos de ludibriar atenções
E desviá-las do que se tem;
Mas o querer de se fazer multiplicar,
Transformando o que já se é
Presenteando-se: hoje
Que hoje pode ser a última chance
Quem dirá contrário?
E se hoje “for “, não “fosse “?
E se hoje for, realmente, o último hoje?
Se for hoje, então…
Quem sou eu em minha última chance?
Quem seria, em alerta de fim?
Só esse responde verdadeiro
Só esse existe
Um eu,
Salvo pela eminência do fim…
Um fim, de si mesmo
E esse é sempre hoje,
Porque vive
Mas só ainda
Então vide hoje
Vive enquanto é tempo