Acordei pensando em sonhos…
Em como uso, inconsciente, o termo tempo nesses dias passageiros.
Que uso-me de seu término, culpando-o da fugacidade e ferozes pontos finais. Ferozes porque não se sentem. São escusos, reticências travestidas, disfarçadas borracha e fraco pigmento de tingir histórias, desenhando, as atitudes de uma natureza morta. Altitudes de papel.
E quem será, a preencher-me as linhas cronométricas; a contar-me a lenda? Estarei sendo bem interpretado, ou julgam-me pelo que sou em verdade: a figura incessantemente frustrada, pedindo trégua aos segundos em devaneio? Trégua para que se faça justiça aos anseios de uma alma como todas as outras.
E meu apelo , será o único? Ou apenas mais um, entoando o grande coro dos desesperados amortecidos, dos escravos errantes, movidos não apenas a diesel, derivados e índices de mercado; mas empurrados quase a pontapés pela vertigem dos relógios.
Acordei pensando em sonhos; em como durmo vida afora, impregnando as materialidades corriqueiras de significados-recalque; decalcando-me a carne de temores e impulsos vividos, apreendidos no estômago.
Espontâneos instantâneos, capturados, não chegam a ter voz.
Muda! Que não vingará!
Ouço em sonhos, completamente desperto, a frase de uma canção.
” Veja só as crianças mudas paralíticas “.
Referem-se a estados vegetativos sob a custódia da medicina, ou a estados de alma? Sob custódia de quem?
Crianças mudas órfãs: são esses os impulsos apreensivos, amarrados bem na boca do estômago, impedidos de florescer ou tornar-se adultos. Amarrados a nó inconsciente, a nós, inconsistentes; a mim, e a todas as primeiras pessoas de que me privo por escolher definir-me um único.
Um único, com direito à única linearidade de tempo. Átomo de existência , um núcleo mal resolvido.
Vivo as outras primeiras pessoas, aquelas que me caberiam, cada qual vestindo um número, e infinidade deles. Vivo as outras primeiridades em suaves, sonhos ou pesadelos. Suaves pela pluma liberdade de tanger insólitas consciências. Pensando em sonhos …
Acordei desacordado. Uma quebra de sigilo, uma calma de só gelo, um vulto intrínseco aos pontos de vista; que nunca são pontos finais.
Reticências disfarçadas que não fazem sentir os fins, deixam em aberto conclusões e decisões de tempo. Tudo de um em um, caminhando quase lento, não fosse o ritmo brutal das constatações. Essas, feitas em espantosos piscares. Tudo de um em um, como que para ficar bem resolvido e saltar estômagos e impulsos amargurados.
Uma a uma, as constatações dos sonhos que se quer aprisionar para depois poder julgar e culpar os segundos perdidos.
O tempo, em seu papel de terceiro, desvinculado da existência que, de fato, me pertence; e que, de um fato ainda mais evidente, divido com a mania de quantificar.
Acordei sonhando sonhos, de tempos que não importa classificar, que é sempre inconsciente, sempre inconsistente, sempre de manipular. Sonhos de não necessitar ponteiro nem direção, de calcar em almas um caminho próprio, um destino único e tão flexível quanto atemporal.
E a única virtude fundamentada em certeza é a tal individualidade que nos permite, das escolhas , todas; a tal contagem regressiva que nos insiste das escolhas, a melhor.
Todo esse tempo, que posso tornar ínfimo, desimportante . Todo esse tempo julguei mal o significado da fugacidade. Todo esse tempo é, talvez, de colher sonhos… Ou planta-los.
As mudas paralíticas vingaram… Vingaram-me, tomando lugar, em reticencias, dos fechamentos de ponto final.
Então escrevo, pensando-sonhando, sonhos em tempo, de tempo, em tempo, não ressentida dos contadores regressivos; mas talvez, um dia, grata, por haver morrido em mim os términos, antes que o tempo me matasse.
Talvez não haja tempo para queles que escolhem acordar pensando em sonhos, ou sonha-los `a velocidade do tempo real .