A barca e o arco-íris; carregando gente, transportando sonhos. Vivendo em dias os dias que virão, a expectativa por detrás da travessia; as cores que serão acerca do Sol e céu aberto.
A barca e o arco-íris, enfrentando distâncias, inventando ponto de chegada. E cada alma aplacada de correnteza ou calmaria, direção de vento e bússola de morte; cada alma um ponto combustível, uma estrela guia acendendo ânimos em noite escura.
A madeira de transporte já era gasta, nem tão confiável. Desenho humilde, econômico em inventividades: remos de cada lado, totalizando número quatro. Uma e outra ferida no casco, cuidados à tinta branca; um resto de lata quase quase estragada. Só mesmo serviu ali a boa vontade do pincel, e alguma esperança-cicatriz.
Da gente disposta a seguir faziam-se três: quatro braços adultos, dados ao trabalho do remo; e dois, mirins, ainda em atenções de aprendiz. Braços remavam de muitos músculos; o que fazia indício de longa viagem e extrema virtude-paciência. Já a criança, pouca idade, devia ter, por pouco, não nascido ali, em casco de travessia.
Resumia-se a velha madeira e todo mar o céu-horizonte seu “em respeito ao mundo”, seu respeito ao mundo. Uma visão totalitária e síntese. Um mundo simples assim: madeira navegar, remo de assistir, mar , céu e desejos de arco-íris.
Como seria cruzar cores? Lá, talvez logo em frente, descobririam; talvez demorasse menos do que imaginavam. A criança crescera desse despertar de alcançar arco-íris; devem ter sido os braços persistentes dos adultos, sempre-remo, incansáveis pelo objetivo final. Braços adultos deram-se, sem querer, como exemplo de extrema vontade à criança. Embora não se soubesse onde previam chegar, nem suspeitasse, qual lhes era o tal objetivo; a criança usara-os modelo ao seu sonho de atravessar caminho arco-íris.
De seu pouco entender, os remos serviam a esse propósito: abraçar arco-íris. E eram tardes e amanheceres de ser mesmo visionário; os olhos apontados a ângulo de infinito, colorindo sete cores do arco que ele talvez nunca tivesse presenciado, mas já lhe era tão convicção, que existia tal fosse concreto, existia mais que casco madeira, remos e braços à criança. As cores de querer eram-lhe tão fortes, que músculos tornavam mínimos. Os olhos infantis apontando lápis sete tons, rabiscando sonho arco-íris que ninguém conhecia, nem ouvira falar. Seus companheiros de barco sabiam apenas cascos e direções mapeadas. Sabiam dos meios, sem entender a que fins. Companheiros de barco, justo eles, que viabilizavam-se braços de músculos desenvolvidos; justo eles não criam em arco-íris, nem outro tipo de sonho.
Objetivo dos quatro braços adultos consistia em sofrer de remo; o que causava tristes, alguns momentos da criança de mira infinita. No começo, a atitude resignada dos outros dois, cabeça baixa e movimentos mecânicos, não incomodava. Mesmo porque ,ainda não lhe havia sentido “resignada”. Foi só com o passar do tempo, que os outros dois corpos passaram a fazer contraste absurdo com o sonho arco-íris, cada vez mais próximo, mais palpável. Só com o tempo, a alegria infantil de imaginar-se imerso em cores, sete cores que cruzavam céu em arco, contaminou-se do pouco querer alheio.
Não que o sonho tenha sofrido algum tipo de alteração (a visão continuava intacta); foi só mesmo a criança que aprendeu, sem letra ou vocabulário,”resignado”. Aprendeu assim, intuitivamente; processo natural, tal correnteza e maré. Aprendeu observando cabeças baixas e quatro braços a remo, sem rumo.
Aos poucos, o corpo pequeno foi tomando novas formas; crescendo em vontades de cruzar aquele mesmo arco-íris; que talvez, nunca tivera sido visto, mas se fazia ainda mais presente que os incansáveis companheiros de barco.
Será que o arco-íris existia? O pensamento surgiu de repente, em criança já crescida; já acrescida de palavras tristes e idéias displicentes, tanto observar a falta de rumo dos outros. Nasceu fantasma; e o entusiasmo inicial de apontar íris aos céus, fosse para realmente ver ou imaginar o arco-íris… O entusiasmo condensou-se. Fez chover em águas. Era a primeira tempestade na vida da criança, agora crescida, adulta. Entendeu-se adulta assim, sem vocabulário ou psicologia; da forma mais intuitiva que lhe restava arquivada.
Deve ter sido a última intuição; que, quem descobre-se adulto, geralmente, perde dons e espontaneidades. Estava tornando-se apenas braços, a exemplo adquirido, sem querer, de companheiros de barco. Logo, sua função se tornaria o remo; e o fim, a falta de rumo.
Entendeu, sob forte tempestade, que tornara-se adulto.Suportaria fácil, fácil: músculos mecânicos. ” Resignado ” era apalavra; de resignação, de resignar-se e outros derivados de falta de sentido e direção. Bússola sem porquê. Que, o que haveria a norte, ou sul, ou leste a mar aberto e cabeça baixa? Se não lhe existisse o arco-íris, de que valeriam-lhe as lembranças do trajeto? Tudo o que conhecera de si, sobrevivia além do arco-íris. Se, de fato, não existisse pincel de cores tal sugeria idade adulta; seria triste ter de contentar-se com boa vontade de tinta branca, quase quase estragada, para cicatrizar feridas de barco. Seria fim de história, sem meio, sem justiça; afinal, nem chegara a tentar a própria força para remar em direção ao arco-íris. Perder esperanças, logo agora, que os braços se faziam músculos de condição… Nem tinta branca cicatrizaria… Agora, que podia tomar o remo, e mudar de rumo; justo agora, descobria-se adulto e resignado, tanto quanto, sem querer, se faziam os companheiros.
Quatro remos, quatro braços e o destino da ex-criança, à parte, morrendo afogado do lado de fora. Em seu lugar, um adulto adulterado em princípios, preso de casco e madeira antiga. Injusto o agora. Em meio à tempestade, a primeira e última que sentia tão cruel; que adultos aprendem a desativar-se decertas funções. Aprendem a fingir que nunca se decepcionam: “resignar-se” é a palavra. Aprendem a sofrer sem letra; resignar apalavra.
Foi em meio à tempestade, que batizou de adulto, a criança dos sonhos, e a fez baixar os olhos, não mais mirar a íris em cores; foi em meio à tempestade, que fez-se cor.
Surgiu no céu, à mar aberto, o barco a remo, de três viajantes, um concreto não palpável, um desenho muito mais belo e sutil que aquele traçado em sonho mirim. Surgiu o arco-íris, assim que o Sol antecipou-se ao fim da chuva. Assim que esperanças misturaram-se a expectativas e alguns teores de frustração.
Arco-íris, sete cores, como o previsto. Mas de uma mágica tão improvável, que ficava evidente que tudo o que a criança entendera antes como arco-íris, tinha sido ilusão. Nenhuma fantasia se comparava à beleza instantânea daquela apreciação. Aquela sim, era real. Somente a Natureza seria capaz… Nem mesmo inocências infantis seriam tão engenhosas. O verdadeiro arco-íris fez o sonho do recém-adulto convalescer da mesma falta criatividade de casco de barco, cicatrizado a tinta branca. O verdadeiro arco-íris… Sete das mais belas cores, muito mais vivas que em sonho; muito mais contágio. E o meio, fora a tempestade; o meio para que a criança, já adulto, enfim, cruzasse arco-íris.
E todos, todos os três puderam assistir à visão acalantada tempos, guardada segredo, dentro do barco, pelo mirim, que nem braços remos fazia, há pouco atrás.
Os dois resignados desprenderam-se de sem rumo, hipnotizados pelo arco iluminado que se estendia lado a lado, ocupando-se de todas as direções; tomando-os em sentido mais profundo de existir, mais que mar aberto. Não eram nem deviam ser apenas músculos-motrizes; havia algo a recuperar; talvez afogado fundo de mar, tal quase se fizera da criança que sonhava arco-íris. Havia algo a abraçar novamente. “Não resignar-se “; essa a palavra.
O récem-adulto, o terceiro viajante; o pequeno esperança de sonho cores fincou-se novamente olhos de altura. Seu arco-íris era real. Íris com íris, íris e cores. Podia enxergá-lo, e a muito de si mesmo, pintado de toda boa vontade e tinta magia. Tinta inexplicável: Sol e tempestade, lágrimas pesadas e brilhos de contentamento, aquarela de paisagens, mar aberto e só o céu… Só seu.
Tinta inexplicável; mais enfeite que o céu de antes, o céu imaginado. E o meio para chegar a existir, de fato, sonho de criança, tinha sido tornar-se adulto. Braços que podiam, agora, remar; mas já haviam escolhido-se de outro rumo. Afinal, de que adiantaria mover-se à força sobre águas, se o que aspirava, caminhava de céu?
Tinha sim, tornado-se adulto, e só o que fez com os braços, que poderiam, a exemplo de outros, contentar-se de remo e remo e remo e sem rumo; só o que fez, foi resgatar a criança afogada do lado de fora. Tinha força suficiente para tanto e, agora, sabia, para muito mais.
Só o que fez com os braços, foi dar graças aos céus por ter encontrado seu arco-íris. Remo a quê, se o que lhe vinha bênção, descia de asas?