De onde nascem os sonhos?
Do princípio de um fim,
Agonia desejosa de fim algum…
Qual o fim, afinal, dos sonhos?
Revelar realidades possíveis, criar outras?
Tecer intrigas com o concreto?
Fantasiá-lo para festa?
Fazê-lo pesadelo?
Ah, esse é o fim de todo sonho em seu distorcer real:
Tornar-se pesadelo
Há quem os julgue esperança;
Esses tais, misericordiosos idealizadores
Esses idealizadores sós, prisioneiros de seus universos concebidos
Inconscientes,
Tanto quanto inconsistentes
Moldáveis às custas de pálpebras cerradas de pobre sonhador
Sonha, dor
Vela a dor de não poder tomar em mãos, nem a peito aberto,
A tal felicidade de sonho
O sonho que se faz, por ora, já vencido…
Ah, o satisfeito cego de pálpebras anestesiadas!
Serraram-lhe membros, braços e pernas
Só lhe resta a cabeça ao descaso
Ao acaso de aguardar seu mundo mudo emoldurado,
Seu mundo de moldar
Teatro de boneco, sua vida de sonho,
Que, em verdade, não vende sonho algum:
Ninguém crê em felicidades aleijadas e contentamentos inertes
Ninguém crê em sonho só sonhado
Sonho só sonhado é pó
Nem pedra, nem sorte, nem fonte
Nem água
Só afogamento
Instantâneo
De ser, a cada segundo, submerso na ausência recorrente do que se sonha
Se sonhos causam tanta dor,
por que socorrer-lhes em leito de morte?
Quando tudo já é, mesmo, fim,
Quando tudo tem mesmo fim
Todos morremos de um mesmo fim: absolutamente previsíveis
Vulneráveis e iguais
Ordinários
Recorrentes ao resgate de nossas agonias
Para um último instantâneo de redenção
Quando todos os sonhos falam de sorte,
Porque nada mais se pode esperar
Quando todos os sonhos valem a pena porque já nunca existiram mais
Ou existirão
Se todos morremos de mesmo fim…
E assim, todos os sonhos cessam de morte,
Sem se saber de onde nascem
Sem se saber se crescem ou desmoronam,
Sem se saber, ao certo, o que são:
Sãos ou loucos
Sem sequer finalidade…
Se todos morremos de mesmo fim…
Sós e únicos,
Talvez sonhos não devam ter um fim,
Exceto acompanhar sonhador e seu estranho deleite
De fazer nascer-morrer-se a cada instante de esperança
A cada constante renascer-se sonhador
Da vida ao leito
De um luto que só se divide entre sonho e sonhador
Em sua dor de entender um mundo tanto inconsistente quanto insconsciente
Em que tudo se finda sem sequer afinar-se ou definir-se
De fins sem começos e de começos sem fim
Se todos morremos de mesmo fim…
Tão previsíveis e sem engenhosidade
Talvez os sonhos nos nasçam de só nascer
Sem que devamos tentar decifrá-los tal fossem nossa escolha
Assim como não nos é dado decifrar em fins o corpo, um braço, uma perna
Talvez os sonhos nos nasçam de só nascer
E só se saiba o propósito ali, naquele seu último instante
Instantâneo
Quando, enfim, nos tornamos do corpo que jamais sonhamos
Nos tornamos um fim aos nossos sonhos
E ali, talvez se descubra que eles sim, tinham um propósito
Talvez não sejamos nós a ter nos sonhos um fim,
Mas descubramos ter sido, enfim,
Aos nossos sonhos, um grande propósito
Jamais os teremos: pertencemos a eles